Não é habitual fazer esta viagem em silêncio.
Saí de Lisboa em direção ao Porto ao fim do dia. Desta vez volto só.
Deixo o A. em Lisboa, naquela que é uma das mudanças mais intensas dos nossos últimos 11 anos. O A. entrou na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (UP) em 2009 e eu juntei-me à cidade em 2010 na Faculdade de Medicina da UP. Quando terminei o curso, o meu primeiro ano de trabalho foi em Santarém e o A. continuou no Porto. Em 2018, mudei-me para Viana do Castelo, onde dei início ao meu internato médico em Pediatria. O A. conseguiu trabalho numa empresa em Viana, pouco tempo depois, e lá iniciámos a nossa vida de adulto a dois, no nosso apartamento com vista mar. Os três anos vividos em Viana do Castelo foram bons, embora algo desafiantes por estarmos mais isolados e longe de amigos e família. Ainda trocámos de apartamento uma vez mais e vivemos o primeiro ano de pandemia a 500 metros da praia e numa varanda a ver pores do sol. Além do crescimento profissional que ambos adquirimos, ganhámos os dois mais de uma mão cheia de amigos que ficarão para a vida. Tratou-nos bem.
Depois, foi tempo de voltar ao Porto por uns breves meses. Uma proposta de trabalho em Lisboa, fez-nos mudar por completo o caminho que pensávamos já ter traçado. E assim que a oportunidade surgiu, confiámos no instinto e deixámo-nos levar. Com medo mesmo. E com coragem para a reviravolta que com certeza irá ser.
Deixei o A. em Lisboa e voltei só.
Estas viagens longas Porto/Viana do Castelo – Lisboa e vice-versa, foram feitas várias dezenas de vezes ao longo dos anos. Para visitar família ou fazer escapadinhas com amigos. É nesta viagem longa onde mais conversamos os dois, debatemos diversos temas, cantamos as músicas da rádio ou fazemos disputas sobre quem adivinha o nome da próxima música do Spotify ou a que filme corresponde o soundrack que começou. Também é a viagem onde mais discutimos, nos chateamos e onde fugir ou calar não é possível, terminando a chegada sempre em reconciliação e com mais uma lição aprendida a dois.
Hoje vim em silêncio. Nem cantar, se cantei. Vim a fazer um flashback na última década da nossa vida e no que o destino nos reservou para o agora. É um sentimento agridoce este de não saber se alguma vez voltaremos a morar no Norte, que é tão casa, e de ir para mais junto de “casa” - da família de sangue e da família de amigos de sempre. É quase como um sentimento de abandono a algo que nos deu tanto e nos acolheu tão bem. Por outro lado, nunca nos fez tanto sentido como agora, ir para junto dos nossos.
As mudanças nunca são fáceis e deixam sempre um friozinho na barriga. É inevitável ter algum receio do que nos é desconhecido e de criar expetativas.
Mas também são as mudanças que nos estimulam e tiram da zona de conforto. Que nos dão espaço para evoluir, ambicionar mais e correr atrás de sonhos.
Despedimo-nos no início da semana, com vista de 180 graus para o Porto. Para a Ribeira, os Clérigos, a Sé e a Ponte D. Luís. Com céu azul, um calor aconchegante e um brinde de sangria refrescante.
Fizemos juntos as mudanças e instalámo-nos naquele que será o nosso próximo cantinho.
Hoje regresso ao Porto e deixo o A. em Lisboa. Saí de dia e cheguei de noite. Vi o céu tornar-se rosado e cair-se a noite sobre a estrada. Em breve voltarei para me instalar também no Sul, de vez. Mas para já, fiz a viagem em silêncio.
Que vida boa esta, que nos faz viver. Que vida esta, que nos faz sofrer. Que vida esta, que nos faz crescer.
Diário de uma pandemia 10.06.2021
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