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Foto do escritorCarolina Germana

Um dia com a minha melhor amiga



O dia com a minha melhor amiga foi de madrugar às 5 da manhã. Toca despertador, prepara para sair. Hoje vamos ver o nascer do sol. Vou buscar a C. a casa e perco-me pelo caminho, a um sítio que já me foi tão familiar durante a minha adolescência. Entretanto passaram-se 10 anos de vidas distantes, amigos diferentes e percursos distintos.


Salta para o jipe de sorriso no rosto. O céu já está a clarear, mas ainda brilham as estrelas. Montanha acima, vamos admirando o caminho à medida que o céu mais azul bebé se torna e a luz das estrelas se apagam. Chegamos ao pico, ao segundo mais alto da ilha, onde o céu é o limite. Procuramos o melhor sítio para assistir à chegada do sol, que terá de ultrapassar a barreira do manto de nuvens que está abaixo de nós. Sentamos e esperamos, tranquilas, a chegada do novo dia. O céu, já claro, permite ao sol pintar de ouro as plantas e fazer brilhar as rochas. Funde-se a luz ao branco das nuvens, com uma palete de cores do laranja ao azul no horizonte. O manto de nuvens parece cama fofa, qual algodão doce, e sentadas nos imaginamos a sobrevoá-las de braços abertos com pozinho mágico da sininho, a jogar-nos de cabeça, mergulhando e atirando-as ao ar. Ali nos deixamos estar, serenas e de sorriso na cara a assistir àquela obra da natureza, tão sempre igual e todos os dias diferente.


O restante dia se passou entre montanha e mar, um pequeno-almoço em mesa de pedra em descampado ainda sobre nuvens, uma manhã de percursos pedestres entre mar do norte e do sul e mergulhos na praia de areia preta. Passou-se entre palavras e silêncios, conversas intermináveis, abraços e gargalhadas. Passou-se com a mesma descontração de criança, com a mesma cumplicidade de adolescente e com a certeza de que por nós o tempo e as escolhas não nos fazem perder a conexão e amizade de sempre.


Hoje a minha melhor amiga precisava do meu abraço e não o posso dar. Precisava de companhia, que não pode ter. Hoje faz um mês e meio que está privada da liberdade necessária à essência humana e se mantém enjaulada nas suas quatro paredes. Apesar de tudo, os interesses não lhe faltam, e entre pintura, jardinagem, piano, cursos, escrita e leitura se vai entretendo e crescendo.


Há situações na vida que nos fogem por completo do nosso controlo e patinamos em gelo à procura de algum equilíbrio. Fazemos trança e aguardamos resgate. Mas se pudermos ir agarrando as pedras do caminho e construindo o castelo, porque não? A minha admiração pela capacidade de adaptação, de resistência e de resiliência da humanidade vai surgindo quase a uma base diária e estas voltam a ser as palavra-chave deste ano de 2020, que ela tão bem me relembra. E apesar de certas lágrimas correrem e dias menos bons aparecerem, a capacidade de vencer adversidades, sejam elas quais forem, saindo delas com mais e melhor, vai-me mostrando que somos forças da natureza, como o sol nascendo do mar.


Um dia, com a minha melhor amiga, vou mostrar que, apesar de pequeninos no mundo, somos gigantes no ser, somos gigantes no estar e conseguimos muito mais do que aquilo que algumas vez pensamos conquistar.


O céu é mesmo o limite. Mergulhemos nas nuvens e deixemo-nos sonhar.

 

Diário de uma pandemia

29.09.2020

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