Oiço os pássaros a cantar e o som do sino das igrejas da redondeza a ecoar. É meio-dia de sábado e estou finalmente a sós comigo mesma.
Os últimos tempos foram de um nonstop de atividades, programas e convívio. Os dias da semana preenchidos pelo trabalho, fisioterapia e afazeres domésticos. Os fins-de-semana entre encontros programados, a festejar aniversários e a preencherem-se vazios de cerimónias que ficaram por celebrar.
Nos últimos tempos, tive tempo de qualidade entre amigos e família, tive semanas cansativas, algumas notícias boas e outras más.
Nos últimos tempos, vivi muitas emoções com todos os que me rodeiam, sem ter tempo para as digerir, para pensar nelas ou para agir relativamente a elas. Os dias passam a correr e os estímulos são constantes, sem dar hipótese a terminar uma reflexão que nem se conseguiu iniciar.
Mas hoje finalmente consegui um tempo a sós comigo.
Sinto uma estranha sensação de estar a ser mais eu, faltando uma parte de mim que gostei de (re)encontrar. Tenho andado com uma necessidade quase ofegante de recuperar um tempo que já foi, sedenta de preencher o meu dia ao minuto, cheia de vontade de estar rodeada dos meus amigos e família sempre que posso. No entanto, com falta daquilo que aprendi a ser no tempo que passou.
É pena ter dificuldade em arranjar esse tempo e espaço entre o que sou e o que quero também deixar-me ser ou sentir. De deixar-me mergulhar no fundo de mim.
Não sou de grandes euforias nem sou de chorar pelos cantos. Gosto de me manter equilibrada e estável, porque acho que é isso que me permite ser feliz. Não elevar expetativas; não achar que já atingi o pico ou o fim de algo, havendo sempre mais por fazer, ver ou conhecer; não deixar-me ir abaixo por algo que foge do meu alcance de resolver ou por alguém que nada me acrescenta. Gosto de estar em controlo das minhas emoções e de saber que as consigo conter nos vários contextos em que podem ser expostas.
Mas por vezes a bolha rebenta, quando menos se espera e sem aviso prévio. E aí todo o meu controlo destabiliza e perco o chão (e o discernimento). São poucos os que conhecem o meu rebentar de bolha. E ainda bem.
Se há coisa que aprendi nos últimos meses, foi que eu posso e eu consigo dar-me espaço para sentir, tudo. E que isso me permite refletir. E que refletir me permite libertar das emoções contidas, numa qualquer forma de expressão. E que tudo isto de facto ajuda a não só ultrapassar algumas adversidades, mas também a perceber que não estamos sós, a nos conhecermos melhor e a nos soltarmos do que prende a alma.
É demasiado o esforço que é necessário para manter tudo num cofre fechado. Por vezes até insuportável. Mas é fácil. Tão fácil. Deixarmo-nos levar por esta necessidade mórbida de controlo sobre aquilo que sentimos e deixar única e simplesmente a razão a guiar-nos as semanas, meses e anos. Aprisionamo-nos dentro de nós próprios sem darmos conta. Sem darmos luz verde ao nosso corpo e à nossa mente para de facto ouvir o que lá se passa, para se libertar do que lá se passa.
Agora quero é conseguir o tempo para deixar as emoções à flor da pele, num momento só meu. Ainda estou a aprender a fazê-lo no meio do caos que eu mesma crio para as minhas semanas. Mas preciso de deixar sentir. É o meu momento controlado do rebentar de bolha, o meu alfinete a rebentar o balão. E o alívio que se segue.
E deixá-las fluir nesta que é a minha forma de expressão, numa (re)aprendizagem constante de quem sou, que ainda aqui estou e que vou aprendendo a estar.
Diário de uma pandemia 27.06.2020
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