top of page
Foto do escritorCarolina Germana

Só se vive a vida, vivendo



A primeira fase de desconfinamento começou esta semana. As ruas enfeitaram-se de mesas e cadeiras envoltas num calor aconchegante deste mês de abril que se iniciou. O sol e o céu azul convidaram a passeio. E foi inevitável sair para sentir o movimento.


Fui da Cordoaria à Ribeira. Desci a Rua das Flores e já tinha músicos a encher de som a cidade. O cruzamento de pessoas desconhecidas para baixo e para cima de sacos nas mãos já se foram vendo. Ainda bem longe daquilo que estávamos habituados, mas já a existir.


Os primeiros três meses do ano foram de confinamento. E não só. De limitações, de mais receio, de mais medo. De trabalho difícil. Foram meses de perda de entes queridos. Muitos que foram sós. Foram três meses com a liberdade condicionada, aprisionados às nossas quatro paredes e ao nosso núcleo circunscrito de pessoas.


Quando cheguei à Ribeira, sentei-me à beira-rio. Não tive ainda vontade de me ir sentar para a esplanada rodeada de gente. Fiquei a ouvir o metro passar sob a ponte D. Luís e a olhar o Douro a correr lentamente com as gaivotas a sobrevoá-lo com o seu guinchar caraterístico. Atrás de mim, os prédios de azulejos e varandas coloridas enfeitam este lugar mágico. Não há outro cenário como este. E que bom que é voltar a sentir a sua dinâmica.


As pessoas passam, de bicicleta, de mãos dadas, de carrinho de bebé ou a correr atrás da criança que solta gargalhadas num andar desengonçado. O barulho dos talheres a tilintar, do trocar de moedas e do fechar da caixa dos restaurantes. O som do riso e da sobreposição de conversas incompreensíveis. O brinde com o copo de vinho.


Que bom que é sentir vida.


Não deixa de ser estranho. Mais de um ano depois, ver todos a circular ao ar livre de máscaras postas. Acho que nunca vai ser natural. Mas a memória dos tempos que foram começa lentamente a desvanecer, ao nos adaptarmos a esta realidade que nos tem sido imposta. Não deixamos, no entanto, de ansiar o dia em que nos digam que podemos ficar libertos deste açaime.


Mas receio que não seja ainda para breve.


Contentamo-nos para já com a possibilidade de sentar na esplanada. De fazer renascer a vida nesta cidade de bom gosto e qualidade. Ao percorrer as suas ruas, ainda se sente muito silêncio onde antes havia caos, vê-se muitas lojas ainda fechadas ou completamente vazias e adivinha-se que certos espaços possam nunca vir a conseguir reabrir. Os funcionários dos pequenos cafés conversam entre si na esperança de aparecer clientela e aguardam pacientemente pelo regresso dos que vêm de fora do país para os fazer reerguer das cinzas.


Fui buscar um gelado à Santini. E não esperei na longa fila até à exposição de sabores e a ter dificuldade na sua escolha. Fiquei à porta e era a única, com uma lista de cinco hipóteses para decidir. Foi fácil. Frutos do bosque e manga. Com o espaço completamente vazio, aguardei que o funcionário a mim chegasse, paguei e desejei bom dia.


Subi a Rua dos Clérigos e sentei-me no jardim a ouvir a música do Base, a sentir o sol aquecer-me a pele e com vista para a Torre, comi o meu gelado encostada a uma pequena árvore e ali me deixei ficar.


Temos de aproveitar este desconfinamento com alguma cautela e muito respeito pelo outro. Mas só se vive a vida, vivendo. Aproveitando e nunca nos conformando com menos do que o melhor que ela tem para nos oferecer, numa constante busca por aquilo que nos preenche a alma.


Só se vive a vida, vivendo. Vamos viver.

 

Diário de uma pandemia 11.04.2021

25 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page