Fui a um concerto hoje. Às onze da manhã.
“Bom dia, Porto”, saudaram-nos eles. “Os Quatro e Meia” não pensaram alguma vez dizer isto, com casa o mais cheia possível, no Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota. Nem nós pensámos alguma vez ser possível pormos despertador num sábado de manhã para ir a um concerto matinal.
Mas aconteceu.
O último concerto a que tinha assistido foi dos “Ornatos Violeta”, no mesmo Pavilhão, no final de 2019. Longe de pensar que seria o último em mais de um ano e longe de pensar que seria o último à pinha, a sentir a vibração do público aos encontrões, entre brindes de cerveja na mão.
Hoje não foi igual. A começar pela entrada ordeira, com medição de temperatura e direito a álcool-gel. Com as pessoas distantes e a obrigatoriedade de estar sentado num lugar só, não se sentiu o toque das que se cruzavam, nem se ouviram pedidos de desculpas por sem querer ter entornado a cerveja em cima do vizinho. Não se leram lábios de quem estava ao nosso lado, nem se viram os sorrisos rasgados de quem ouve um bom som.
Mas sentiu-se calor.
Sentiu-se calor e que saudades que eu tinha de sentir música ao vivo. De ver público de braços e lanternas no ar, num ritmo sincronizado; de ouvir um conjunto de vozes aleatórias a trautear a música que sabem de cór; das palmas, que ora marcavam o início, ora o fim, ora acompanhavam a cantiga quase como fazendo parte dela.
Num arranjo musical sem igual, entre a guitarra, o violino, a bateria e o acordeão, acompanhavam-se as vozes aveludadas dos vocalistas que debitaram uma composição de letras profundas, recheadas de mensagem e positivismo. E ainda tiveram a companhia do Pedro Tatanka e do Carlão, que vieram encher mais ainda aquele palco já de si tão cheio.
E assim se sentiu música em todos os poros nesta manhã de sábado.
E o concerto não foi só música. Foi uma conversa intimista entre banda e plateia. Numa dedicatória a quem mais sofreu, desde os nossos mais idosos a todos os que tiveram de abrandar ou abandonar a carreira. Foi um abrir olhos para a sorte que é estarmos vivos e do privilégio que é podermos ter estado ali naquele momento precioso, numa época que já nos tirou tanto. Um relembrar que enquanto corremos sem direção, a terra continua a girar. E que tudo passa num instante.
E passou. Passou num instante esta manhã recheada de emoção e de esperança, onde se cantou e se espantou pandemia ao som do instrumento e de cada palavra proferida de maneira poética no meio da melodia. E foi de cortar a respiração.
Saímos do concerto com o coração a transbordar felicidade, como se tivesse sido o primeiro. E marcámos já lugar para o grande concerto anunciado para junho de 2022 em Coimbra. Sim, daqui a mais de um ano. Em Coimbra. Lá esperemos estar.
Porque não há permissão para ter só mais um instante para viver. O instante é hoje, sempre que estivermos aqui, no agora. E que possamos ser acompanhados pela música em cada um deles.
“E o mundo segue Sem olhar para nós Queremos tudo Mas vivemos tudo a sós
A terra gira em contramão Ficamos tontos sem direção Corremos até nos faltar o ar
E a vida vai ficando pra depois
E continuamos os dois a sonhar”
A Terra Gira, Os Quatro e Meia.
Diário de uma pandemia 01.05.2021
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