Neste grande universo dos cuidados de saúde, o que faz a grande ponte de conexão entre profissional e doente é a empatia.
A empatia implica a compreensão do estado emocional e mental do outro, sem que se perca de si mesmo. De conseguir perceber o que o outro vive e sente. Colocar-nos na posição do outro, sentir a sua dor, o seu sofrimento, o seu bem-estar e prazer, para nos podermos rever no seu lugar e corresponder às suas expetativas. A empatia é a única arma que temos para nos conseguirmos ligar a um total desconhecido, ouvir as suas preocupações, as suas angústias e o ajudarmos na sua orientação e tratamento.
Nos últimos dias, tenho sido eu a doente. Idas ao serviço de urgência, aguardar pela realização de exames, idas a consultas, mais exames, burocracias e papeladas para resolver, após mais uma lesão osteoarticular feita por um azar, distração ou pressa num milésimo de segundo. Esta condição frágil constante enquanto seres humanos que somos, coloca-nos em todos os milésimos de segundo desta vida, vulneráveis.
Hoje, como doente, fui bem e mal tratada. O tom de voz, o sorriso (que atualmente se decifra no olhar), as pequenas frases como “- Bom dia, em que posso ajudá-la?”; “- Vou ver o que posso fazer por si”; “- Conte-me a sua história”; “- As melhoras, estamos aqui para o que precisar”; fizeram a diferença entre atendimentos. Não foi a capacidade ou competência técnica ou executiva, foram estes pequenos pormenores. E enquanto que o mau atendimento me deixou angustiada, triste, frustrada e irritada, o bom atendimento transmitiu-me segurança, tranquilidade e bem-estar.
Importa não nos esquecermos que por detrás da doença física, está sempre um ser também ele emocionalmente e psicologicamente frágil. O facto de, de forma mais ou menos grave, termos de parar a nossa rotina diária, de nos incapacitar, de termos de pedir ajuda a diversos níveis, faz-nos sentir limitados, inúteis.
Acredito que por ter sido várias vezes a doente ao longo da minha vida, me fez ser capaz de criar mais facilmente esta ligação. Considero que foi e continua a ser importante na minha prática clínica diária lembrar-me sempre de quando estive do outro lado. Fui uma criança asmática, com necessidade de medicação crónica e algumas intercorrências. Tive algumas infeções bacterianas graves com necessidade de internamento e antibioterapia intravenosa e intramuscular. Já sofri intervenções cirúrgicas, com anestesia geral e uma cirurgia ocular por uma doença crónico-degenerativa em ambos os olhos. Já sofri de dor intensa, fiz fisioterapia, levei injeções intra-articulares. Fui acompanhada durante anos em consulta por diversos motivos. Já me foi dito que ficaria cega, que teria de fazer medicação para a vida, que teria dificuldade em engravidar, que não poderia praticar mais desporto de impacto, que não podia nunca mais correr ou jogar padel. Sou grata por nenhuma patologia ter sido particularmente grave, mas em todos os momentos que presto cuidados, lembro-me do impacto que cada uma destas notícias, destes procedimentos, destas orientações tiveram em mim.
Como ultrapassar estes momentos menos bons? Relativizar. Relativizarmos ajuda-nos a nos colocarmos num ponto em que há sempre pessoas em melhores e piores condições que nós. Quando olhamos para quem está menos bem, rapidamente desviamos a nossa atenção para tudo aquilo que temos de bom, dando graças por tudo o que é de positivo na nossa vida – e há tanto, sempre, algures. A nossa capacidade de oferecer ajuda, de darmos, de servirmos, surge desta capacidade de relativizar. E como profissionais de saúde, estamos constantemente a lidar com alguém que sentiu necessidade de procurar ajuda, por estar mais debilitado em algum dos pontos bio-psico-sociais da doença.
Hoje experienciei mais um mau atendimento pessoal, de profissionais de saúde, que me deixou a refletir nesta questão. E deveria ser simples. O mínimo que podemos oferecer, é empatia. Exatamente porque é das poucas coisas que não depende de mais nada nem ninguém a não ser de nós próprios. Sai de dentro. E é suficiente. É oferta suficiente a quem sofre. E não é difícil, porque mesmo que nós próprios estejamos em situações de maior desgaste físico, emocional ou psicológico, o doente à nossa frente, naquele momento, está, com certeza, pior, e este deve ser sempre o nosso ponto de partida na sua abordagem: ele precisa de nós.
E, neste momento, especialmente nesta era pandémica em que vivemos, há mais meses do que queríamos, ser empático deveria ser ainda mais simples e não o contrário. Estarmos todos, sem exceção, na mesma maré, no mundo inteiro, deveria tornar mais simples a nossa compreensão da posição do outro. Deveria ser simples estarmos ao lado do próximo, oferecer o ombro, apoiar, incentivar. Somos seres frágeis em constante risco de descarrilhar e podemos não estar cá amanhã. Precisamos uns dos outros para sobreviver, para encontrarmos paz, para sermos felizes.
Hoje, somos os piores do mundo no que diz respeito aos números pandémicos. Estamos a viver a autêntica desordem nas mais diversas áreas. E em vez de nos unirmos, afastamo-nos, como cão e gato. Vamos relativizar mais, vamo-nos apoiar mais, vamos dar mais. Vamo-nos proteger, vamos proteger os outros. Vamos respeitar, vamos cumprir, vamos cuidar. Vamos sorrir com os olhos, vamos baixar o tom, vamos dar colo. Vamos dar o abraço sempre que seja possível. Vamos estar presentes para a nossa família, para os nossos amigos e para quem procura a nossa ajuda.
Está difícil de ver o fim à vista de tudo isto, mas se perdermos a humanidade no meio do caos, não sei que mais nos resta.
Diário de uma pandemia 26.01.2021
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