Passa da meia noite e estou a olhar para as estrelas. Fez 13 anos que namoro. Quase que me conheço há mais anos acompanhada do que a sós. Hoje, se não fosse pela pandemia, estaríamos casados há mais de um mês, mas o Covid fez com que se metesse pausa nos planos e sonhos, meus, dele e de outros tantos. Mas a semana passada, casámos os nossos primeiros grandes amigos. Porque a pandemia não foi mais forte que a força de vontade daqueles dois e o dia foi tão bonito, que nos fez ressacar dele durante uma semana.
Não sei se por este ano longo e duro que vivemos, se por termos adiado também este nosso plano, se por serem amigos queridos de longa data, se por estarmos reunidos com amigos de sempre, envoltos numa amizade e companheirismo sem igual, ou se por um conjunto de múltiplos destes fatores… a verdade é que nos emocionámos e as lágrimas correram mais vezes do que os dedos podem contar.
E hoje, debaixo de céu estrelado, finalmente páro após a correria habitual da semana de trabalho, para sentir esta ressaca da felicidade que foi aquele dia. Finalmente tenho um momento meu para digerir toda a emoção de todos aqueles segundos tão intensamente vividos.
Eles, ora nervosos, ora tranquilos, brilhavam de tanta beleza na alegria que sentiam. Chegou mesmo o dia, após mil e uma adversidades ultrapassadas. E desde o dia de céu azul, ao calor que se fez sentir, do penteado à maquilhagem, do brinde de champanhe ao elegante vestido de noiva, a entrada na igreja da linda M., a entrega ao altar ao ansioso M., o olhar de ternura e de superação fazia-se sentir. Da cerimónia cheia de razão, aos discursos cheios de emoção, ao bingo, à cantoria e à dança de abertura. Uma série de momentos que de forma encadeada se foram somando e nos enchiam de amor até transbordar. Que dia para se poder ter vivido e partilhado com estes dois. Ali viveu-se amor e viveu-se esperança. E é tão bom podermo-nos sentir genuinamente felizes e preenchidos pelos que nos são queridos. Por eles e com eles.
Estamos de ressaca. Deste pico de felicidade. Dependemos deles para nos fazer sentir vivos e este ano tem já trazido alguns, que nos fazem continuar com vontade de agir, de lutar, de viver. Momentos que nos enchem o depósito de energia ao máximo para nos permitir durar mais, aguentar mais, superar mais. Como num filme dos monstros e companhia.
E estou de ressaca, mas de depósito cheio.
Somos feitos de momentos. E hoje mais alguns se juntaram. Um passeio ao pôr-do-sol à beira do Rio Douro por entre vinhas, um brinde com bom vinho e a delícia da gastronomia do Norte. Um espetáculo de música ao vivo com piano a acompanhar, com a melodia perfeita a fazer balançar o corpo ao som do teclado.
Quero mesmo acreditar que tudo acontece por alguma razão. E hoje estou na varanda a olhar as estrelas, pensando em três palavras curtas que resumem esta união. Cuidar. Amar. Perdoar.
Cuidar. Estar atento a pormenores. Dar colo, ombro, mimo. Ajudar a levantar. Apoiar.
Perdoar. Porque não somos todos iguais, por sermos todos diferentes, pessoas únicas e especiais. Por termos dias difíceis e épocas complexas. Por sermos fruto de circunstâncias da vida, de ambientes e de pessoas que nos rodeiam. Por sermos impulsivos, às vezes menos tolerantes, outras vezes mais rabugentos. Sem rancor.
Amar. Ser-se quem é, com todas as virtudes e todas as maleitas que cada um encontra em si e no outro. Viver os desejos, as crenças e os objetivos do outro. Incentivar e querer o bem. É ter dias maus e haver discordâncias. É silêncio e é gargalhada. É lágrima e é sorriso. É partilha de todo o nosso ser, sem perder a individualidade. É ser especial e único . É crescer junto. É fazer feliz, mas é também saber moldar, adaptar e fazer reacender a chama.
E com estas três palavras em mente me despeço das estrelas que compõem o céu.
Que nos enchamos de memórias e de mais momentos. E que sejamos feitos de dias como o dos nossos Ms para nos fazer encher o depósito e relembrar que o amor, a esperança e a amizade vencem todos os desafios e que nunca devemos deixar de acreditar.
Por mais ressacas como esta.
Diário de uma pandemia 18.10.2020
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