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Foto do escritorCarolina Germana

O certo e o errado


Sentada na berma da piscina, oiço bossa nova. O céu aos poucos se transforma. Adormeci ao som de música e de risos no sofá e acordaram-me para assistir ao nascer do sol. O céu escuro pinta-se de cor-de-rosa, amarelo e laranja. Aos poucos, a lua dá lugar ao sol que aparece por detrás das montanhas da Serra da Arrábida.


São 6:30. Os raios de sol atravessam os galhos das árvores e batem diretos na minha lente. Enquanto escrevo, continuo a ouvir conversas profundas entre amigos, sobre o tudo e sobre o nada, entre gargalhadas genuínas e espontâneas. Entre elas, os mais variados sons de pássaros escondidos nos seus ninhos, a despertar.


Penso nas minhas últimas semanas, que passaram devagarinho.


Tive uma lesão no joelho que interferiu com a minha vida diária e com o meu trabalho. Entre despertares noturnos com a dor e uma perna bloqueada, a moinha a cada passo era difícil de suportar, tendo-me obrigado a parar. Isto consumiu-me até saber do que se tratava e abalou-me mais do que aquilo que gostaria.


Mas ontem finalmente soube a minha sentença e comecei o meu tratamento. E hoje estou aqui, rodeada de amigos e a assistir a este espetáculo.


É difícil pensar no certo e no errado nesta fase. Estamos todos com vontade de estar juntos, de voltar a dar o abraço, de rir e de dançar. Está sol e calor. A piscina e o mar convidam a mergulhos.


O número de casos diários, diminuíram. As pessoas aos poucos deixam de ter receio e adaptam-se à nova realidade. Nas ruas e espaços fechados, circula-se de máscara posta e cumpre-se o distanciamento social. Os restaurantes afastam mesas e fazem take-away. A mudança de hábitos e comportamentos é relativamente fácil de fazer, lá fora.


Já com familiares e amigos, é difícil continuar a manter estas medidas. E é aqui que nos sentimos divididos entre o dever de proteger e a vontade de conviver; entre o medo de perder e a necessidade de viver. De nos sentirmos obrigados a tomar decisões com base no pouco que se continua a saber. Estaremos a colocar os que mais amamos em risco e a desvalorizar o nosso? Estaremos a ser demasiado cautelosos e a privar-nos de necessidades básicas da vida? Estaremos a ser egoístas ou altruístas?


A verdade é que passaram 3 meses desde que o nosso mundo fechou portas. E começamos a nos aperceber que este é o nosso limite máximo de distanciamento daqueles com quem queremos de facto estar.


Voltam-se a reunir as famílias. Os avós e os netos. Voltam-se a reunir os amigos e a fazer celebrações. Volta-se a abraçar, ainda que pareça errado e com um certo sentimento de culpa.


E espera-se. Que ninguém tussa, espirre ou fique com febre nos dias seguintes.


Segunda-feira retomo a minha atividade de urgência, depois de duas semanas parada. Sei que lá continua tudo como há 3 meses, sem perspetiva de mudança, provavelmente até ao final da próxima época de inverno. Mas agora está calor e os meus colegas descreveram o inferno que foi trabalhar sob 30 graus debaixo daquele equipamento que não deixa respirar, sem ar condicionado. Além do aumento de fluxo de doentes que naturalmente aconteceu com a reabertura dos infantários e creches. O medo que antes era do desconhecido, agora é o de cair para o lado em pleno “covidário” com quebras de tensão e desidratação induzidos pelo calor. Era bom que os turnos fossem mais curtos, mas não há gente suficiente para os cobrir de forma a evitar estar lá metido dia sim, dia não. Estou cheia de vontade de voltar ao meu trabalho habitual, mas não tenho vontade de trabalhar nestas condições.


Podia continuar aqui, parada no tempo às 7 da manhã, com o céu azul bebé, sem nuvens, a dar lugar ao dia que recomeça. A deixar-me apagar todas as dúvidas, incertezas e receios de dentro de mim. A deixar de pensar no certo e no errado. E a deixar-me estar, aqui e agora, a aproveitar cada segundo desta vida boa que me foi dada a viver.

 

Diário de uma pandemia. 30.05.2020

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