“Não sofras por antecipação.”
Oiço esta frase como uma mantra, sempre que a minha linha de pensamento descarrilha. A minha mãe sempre me disse isto. Embora não o tenha feito sempre. aprendeu a fazê-lo com o tempo e fez-me pôr em prática o mais cedo que foi possível.
Em pequena, antecipava a chegada de um ladrão, de um tsunami, de um terramoto, de um monstro, da morte de alguém querido. Antecipava tudo o que de mal pudesse vir eventualmente a acontecer, sem que nada sequer apontasse para tal. E a dor de cabeça e de barriga eram o espelho de um sofrimento inútil.
Hoje, agarro-me à frase que a minha mãe me ensinou com unhas e dentes, sempre que penso num futuro incerto ou tremido. Sempre que me deixo a refletir sobre ela, mais acho que faz total sentido. Porquê e para quê sofrer hoje com o que pode nem acontecer amanhã? São tantos os desafios que nos surgem numa hora, certa ou errada, mas numa hora algures no tempo, que nós não vemos escrito em lado algum, da qual ainda nada sabemos.
É certo que o presente nos vai trazer sofrimento, num ou noutro momento ao longo da vida. Mas só conseguindo deixar o de amanhã de lado, é que estaremos livres para sentir e viver o agora, que tanto nos pode enriquecer e fortalecer. Livres para observar, aprender e crescer, sem nos sentirmos presos e amarrados a pensamentos distantes e negativos. Para quê pensar que vai correr mal, que não vai ter a peça que queremos comprar, que vai ser cancelada a viagem, que vai cair o avião, que vai correr mal a cirurgia?
Aprendi com o tempo e com esforço, a controlar os meus medos e a afastar do meu pensamento tudo aquilo que me foge do controlo de poder controlar. Tudo aquilo que depende de outro alguém, que depende da Terra, do Mar, do Universo ou de Deus. Tudo aquilo que eu não posso pôr a mão e mudar, tudo aquilo que não posso ser eu a trabalhar para alterar ou lutar, afasto da minha mente. Ou tento.
Sempre que estou triste ou receosa, penso nesta frase e é ela que tantas vezes me abana a cabeça e que consegue esvaziá-la. Tantas vezes que me salva. Porque sim, somos de facto demasiado curtos nesta passagem e os dias demasiado rápidos. As decisões são demasiado imediatas e o momento demasiado instantâneo. Porque tudo é demasiado fugaz para sofrermos com o incerto que é o futuro, em qualquer altura da nossa vida.
Hoje, o amanhã é incerto. Ontem, hoje era incerto. E na atual pandemia em que vivemos, esta é a única certeza que temos. Que o futuro não está escrito, não se conhece nem se controla. E que a vida continua a ter de ser vivida, os planos a serem feitos e os sonhos a serem sonhados. Continuamos a ter objetivos, a lutar para os atingir e a querer escrever a nossa história.
É verdade que vivemos história. É verdade que o amanhã nos parece mais incerto hoje do que há 6 meses. Mas é igualmente novidade. Traz-nos igualmente alegrias, tristezas, sofrimento e sorrisos. Traz-nos o bem e traz-nos o mal. Não deixemos de viver o presente com a mesma intensidade de sempre. Porque hoje não será mais vivido e amanhã, continua a ser vivido apenas, amanhã.
Diário de uma pandemia 21.07.2020
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