top of page
Foto do escritorCarolina Germana

Eu. Tenho. Um. Filho. O quarto trimestre.



Eu.tenho.um.filho.


Tenho de dizer isto pausadamente. Eu que aos dois anos dividi colo da minha mãe com a minha irmã e aos quatro e meio me senti responsável pelo meu irmão que acabara de nascer. Eu que brincava com nenucos e imitava a minha mãe nos cuidados do bebé. Eu que liderava os meus sete primos mais novos a fazer coreografias e peças de teatro nas férias de verão. Eu que escolhi medicina para ser pediatra. Eu que sempre preferi as mesas dos mais novos para interagir com os mais pequenos. Eu que ouvi na cadeira de ginecologia que uma em cada cinco mulheres são inférteis e fui depois diagnosticada com endometriose. Eu que vivi os meus vintes com medo de nunca poder ser mãe. Eu que achei durante anos que não ia ser capaz de gerar vida.

Eu que sonhei ser mãe. Que fui mãe. Que sou mãe.


No meu colo, dorme o meu bebé, serenamente. No último dia do seu primeiro trimestre de vida. E do meu quarto trimestre. Terminou. A exterogestação. A adaptação do bebé à vida fora do útero e a adaptação da mãe à vida do bebé fora de si.


Três meses em que aprendi o que é isto de ser mãe, numa intensidade sem igual. E não me quero esquecer destes tempos, em que vi o meu bebé pequenino acabado de sair do meu ventre para vê-lo crescer no meu colo. E da força da natureza que temos para ultrapassar os tantos desafios que nos são colocados à prova.


Não me quero esquecer do teu primeiro mês.


De nos termos visto pela primeira vez. Dos teus dedos finos e alongados e perninhas de pau. Do teu biquinho de periquito e de pousares a tua cabeça nas tuas mãos, descansado. Dos teus sorrisos involuntários a dormir e do revirar de olhos após as refeições. Das viagens longínquas para onde te levava no teu "coma de leite", guiadas por mim, até ao mar, à serra, ao deserto e à terra dos sonhos. De ficares a nadar nas roupas que te vestia. Dos banhos nas mãos do pai na pequena piscina insuflável. Da força que já tinhas a levantar a cabeça no muda fraldas, nossa tartaruguita. Do colinho leve que pesava. Do olhar atento ao meu quando te cantava uma canção de embalar até finalmente cederes ao sono e cerrares os olhos. Do choro fininho de recém-nascido. Do pisca-pisca lento ao acordar. Das pernas encolhidas, aninhadas ao meu peito em sono profundo. Do tempo passado a três em casa.


Da dificuldade em te pousar no berço e da ansiedade que causava só de pensar em te deitar, cansados só de imaginar que podíamos ter de reiniciar o processo de adormecer de novo. De me render a que dormisses ao meu lado na cama, aflita com poder magoar-te sem querer e sem por isso pregar olho. Das noites que não se diferenciavam dos dias. Do peso que sentia.


Não me quero esquecer das visitas, de quem te deu as boas vindas ao mundo e de quem cuidou também de mim. Dos avós, dos tios, dos amigos. Das máquinas de roupa que ficaram lavadas e da comida que aparecia na mesa de casa. Dos doces e mimos. Dos colos que te adormeciam com carinho. Das ofertas que encheram a tua gaveta de roupa e brinquedos. Dos passeios que me levaram a sair de casa para espairecer.


Não me vou esquecer da dor. Um pós-operatório de uma cirurgia abdominal agressiva como é a cesariana e do peso e desconforto sentidos. Do cansaço que me limitava o andar e me impedia de completar frases. Das costas a acusar pressão de uma barriga que deixou de existir e de um colo constante. Da dor alucinante ao amamentar. Do meu choro desesperado ao mesmo tempo que o teu, enquanto te tentava adormecer ao colo a pé de um lado para o outro da casa, lutando silenciosamente contra a minha dor. De me doer a alma por querer cuidar e apreciar o meu bebé sem que o meu corpo tivesse de sofrer. De me ver ao espelho e olhar o meu corpo. Disforme, baralhado, confuso. Pesado. Estranho. Quem era eu? De querer sentir um abraço, uma palavra de conforto. De querer também eu colo. E de sentir dificuldade em encontrá-lo.


Não me vou esquecer do quanto me rendi a ti e a todos os que me rodeavam. Da falta de atitude crítica e de discernimento. Da falta de confiança em mim. De um eterno questionar se estava a fazer certo e do que é que precisarias. Da falta de tolerância ao choro e de agir em modo robot. Da dificuldade de conexão e adoração do meu bebé quando todo o cuidado para contigo e para comigo era tão intenso. Da dificuldade em gerir a família no primeiro encontro de todos contigo, ao mesmo tempo que eu também te queria tanto ficar a conhecer e me tentava reencontrar a meio do caos emocional e físico, sem qualquer sucesso. De me sentir tão perdida nos sentidos e na razão.


Um primeiro mês de um amor dissipado pela necessidade de cuidado, da dependência constante e das incertezas infinitas. Duro como nenhum outro alguma vez vivido. Longo, que parecia nunca mais acabar.


Não me quero esquecer do teu segundo mês.


Eu já sem sentir o peso na barriga e a dor ao amamentar. Com dor lombar e tendinites nos punhos de tanto te segurar. Tu com um choro gritado e um adormecer com despertares constantes por um refluxo doloroso. Ver-te sofrer, fez-me reagir. Assumi papel médico e deixei-me de lamúrias. Despertei de novo e confiei nos meus instintos. Deixei de comer o meu queijinho, o leite de manhã, os doces e os gelados. Passei a dar-te um espessante preparado na hora e dado antes de amamentar, oferecido com a chucha, porque não pegavas na colher. De começares um protetor gástrico oferecido em copo e de te ver aprender sozinho a beber tão bem por essa via. Da meia hora em posição vertical após cada maminha para aprenderes a arrotar e antes de te poder deitar. De toda esta dinâmica que nos tirou a liberdade de sair à rua descontraidamente, me prolongou os períodos acordada durante as noites, mas que te permitiu a ti descansar melhor e ficar muito menos irritadiço.


Não me quero esquecer da nossa ida para a Madeira. Da tua primeira viagem de avião, bem disposto e sorridente, atento a tudo. Da nossa chegada e do quão feliz ficámos por levar-te a casa. Da noite tenebrosa que foi essa primeira, depois dos estímulos sonoros e luminosos infinitos de um aeroporto e voo que eu inocentemente pensei que te fossem fazer dormir melhor. De ir ver e ouvir o mar de perto. Da ajuda preciosa dos avós e tios que me deixaram restabelecer energias de uma forma que nem imaginam. De amigos e família te terem finalmente ficado a conhecer. Do meu medo de ficares doente com tanto convívio próprio da época natalícia e da ausência de rotinas que tornassem um pouco mais previsível o teu comportamento e o nosso descanso. De me ter sentido exausta tantas vezes.


De teres aprendido a sorrir e conquistar todos com a tua boa disposição e doçura. De teres finalmente dormido noites no berço e na alcofa no quentinho da ilha. Das noites passadas a ver tantas estrelas, contigo elevado no meu colo. Das brincadeiras com a tia M., por quem te encantavas. De te ver ficar roliço e deixares de caber na maior parte da tua roupa. De começares a comunicar com os teus sons próprios e a querer dialogar. De descobrires as mãos. De te ver ficar mais curioso pelo meio ambiente e pelas pessoas. Dos momentos divertidos no muda fraldas. Do cheirinho do creme e das massagens no teu corpo suave, depois do banho. Do teu primeiro bebegel, das tuas primeiras vacinas, do teu primeiro supositório.


Um segundo mês de conquistas, de crescimento e de recuperação.

Não me quero esquecer do teu terceiro mês.


Aquele que passou num piscar de olhos. Como assim já acabou? Parece mentira que se passaram já três meses completos da tua existência neste mundo.

O mês em que fiquei mais tempo a sós contigo. Nós dois, apenas. O mês em que estou mais confiante nos teus cuidados e em que finalmente me sinto a aproveitar-te bem. O melhor dos três. Já melhorados fisicamente, sem necessidade do espessante, sentimos novamente a liberdade conferida pela amamentação. Poder levar-te a qualquer lado e saber que sou suficiente para te dar tudo o que precisas. Comida e colo. Passares a estar mais tempo acordado, a brincar mais, a te interessar pelos brinquedos. De os levares à boca e de adorares comer as tuas mãos. De te segurares ao meu cabelo com força tal que te podia deixar aqui pendurado. De te teres tornado cada vez mais comunicativo, num dialogar bem disposto. Do teu acordar matinal colocado a meio da nossa cama, a espreguiçares esse teu corpo pequenino e a sorrires em resposta ao "bom dia ao dia". Do teu olhar atento e curioso a tudo o que te rodeia. Da descoberta do espelho e de ti mesmo, envergonhado. De te encher as bochechas rechonchudas de beijos e de te espremer as perninhas de presunto enquanto te visto. De me dares também tu "beijos" no meu queixo e encheres a minha cara de baba. Das conversas infinitas que tens com quem te der troco e de gostares dessa atenção. Dos teus "rr's" "aa's" e "gru's". Das trocas infinitas de sorrisos. Do riso maroto na maminha quando fazes um coco enquanto comes e das mudas de roupa resultantes dessa explosão...pestinha. Dos movimentos ritmados das pernas e braços quando te entusiasmas e de se tornar mais desafiante vestir-te.

De ficar a conhecer os teus sinais e agir em conformidade. Do choro às prestações, do esfregar de olhos e do mexer nas orelhas quando estás com sono. De esperar pela moleza do teu corpo para te pousar no berço, mais confiante. De olhar para ti amando-te incondicionalmente enquanto dormes abraçado a mim. De te contorceres berço fora, parecendo uma minhoca em busca de toca.


Um mês em que consegui aos poucos te ir encaixando na minha vida. Que consegui voltar a tomar um pequeno almoço mais descansada e tomar um banho mais demorado. Que deixei de pôr tanta pressão em mim para tentar dar-te atenção 100% do meu tempo, embora ainda com dificuldade. Aceitar que agora a minha vida não será a mesma e que terá as suas limitações. Que vou continuar a não dormir muitas horas seguidas e que vou despertar várias vezes durante a noite. Que o cansaço acumulado me vai impedir de ir a jantares fora e que a disposição não será a mesma nos finais de dia. Que as tuas rotinas são mais importantes e prioritárias. Que preciso de me deitar cedo para aguentar o dia.


Um mês em que continuei a ter os meus momentos de choro, de exaustão e frustração. De ter ainda noites agitadas, choros difíceis de consolar e muitas muitas sestas ao colo. De fazer grande parte das minhas tarefas contigo em babywearing para te poderes sentir mais seguro e confortável. No entanto, foi um mês em que as partes menos boas da maternidade foram esbatidas pelos momentos bons que passei neste papel de mãe com o meu bebé e em família. Foi um mês de maior conexão e adoração e de mais e mais amor, que transborda além de mim.


Um mês em que decidi procurar ajuda para gerir todo este turbilhão de emoções, transformações e mudanças na minha vida. Em busca de mais abraços, de conversas entre amigos, de colo, de risos e partilha. Porque não precisamos de caminhar sós nesta jornada que consegue ser tão solitária ao mesmo tempo que é tão preenchida.


Termina o quarto trimestre. Com três meses tão intensos, tão terrivelmente dolorosos, esgotantes e cansativos, tão maravilhosamente transformadores e inundados de amor. Tão cheios desta experiência avassaladora que consome tanto do que somos, de quem somos, para sermos mais.


Eu. Tenho. Um. Filho.


És tu, M., e fazes hoje três meses. Três meses de olhos grandes e redondos, cor de mar, que me olham fixa e profundamente. De expressões faciais várias e de um enrugar de testa desconfiado. De mãos pequeninas e roliças a acariciar o meu peito enquanto comes e adormeces no meu colo. De lábios bem desenhados em biquinho de periquito. De covinha no queixo, igual à do pai e de outras duas nas bochechas, mais numa que noutra. De um sorriso aberto e desdentado, delicioso. De comunicação entendida sem recurso a palavras. De me perder no tempo a olhar para ti, a apreciar cada traço, sorriso, som, movimento, cada cheiro. De me convencer que és fruto de nós e que estás ao nosso cuidado.


Três meses desta minha doçura de menino. Obrigada por me dares a oportunidade de ser a tua mãe, meu bebé pequenino.


Que venham os próximos meses. De descoberta, experiências e criação de memórias. De crescimento e mais transformação, mais auto-conhecimento, mais desafios, mais conquistas. De mais lágrimas e sorrisos. Que venha mais percurso desta montanha-russa louca de emoções, em que entrava novamente sem pestanejar. Que venha mais deste sentido de missão para com o meu bebé e para com a minha família.


Nota: partilho aqui a minha experiência, que não é igual para todas nós enquanto mães e enquanto mulheres; somos todas especiais e temos o nosso próprio caminho a percorrer, o nosso tempo para recuperar, para amar, para aceitar. As nossas batalhas são únicas e os nossos bebés cada um um indivíduo particular; mas uma coisa é transversal a todas: temos uma força inabalável e somos incríveis. Procurem ajuda se se sentirem a perder o rumo, a ficar sem chão, a se afastarem do vosso bebé ou da pessoa que querem ser.

 

Conversas de sesta

25.01.2023


233 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page