Começaste com o tamanho de uma semente de papoila e hoje és melancia. Já se passaram 37 semanas e para mim um grande marco, porque significa que já podes vir com maior segurança ao nosso mundo. Ansiei chegar a este momento para mais tranquilamente aguardar a tua chegada e cá estamos. Podes vir, a teu tempo.
Esta jornada a carregar-te tem sido um caminho de superação de uma série de desafios que não sabia vir a encontrar. Não me posso queixar. Tem sido um percurso sem sobressaltos, ainda que com vários receios, que continuarão até o dia em que te tiver nos braços e não mais deixarão de existir enquanto por aqui estiver a ver-te crescer. Bem vejo o olhar da minha avó para com os seus filhos, ainda hoje: ternurento, preocupado e orgulhoso. E não consigo deixar de pensar que assim que me desdobrar em dois, será esse o meu olhar para contigo, até ao fim da minha vida. Relembro quem fui até aqui, para que não me esqueça. Não posso esperar ficar igual e não sou de ter saudades do que já fui, porque acredito que tudo tem o seu tempo e o seu espaço para existir. Para ser. Eu que cresci com a família que me criou e que será também a tua, que conquistei os amigos que serão teus também, que me apaixonei pelo teu pai que vai ser o teu herói. Eu que fui cheia de vida, de experiências, de aventuras e de sorte. Sorte em ter tido um percurso tão recheado até à tua chegada e me sinta capaz de te trazer ao mundo, porque chegou a hora. Sorte em não sentir que tenha deixado coisas por fazer ou por dizer. Segui sonhos e acreditei. Estudei e aprendi. Desafiei-me, superei e conquistei. Falhei. Ri, perdi e chorei. Sofri e senti. Fiz várias amizades e recebi muitos nas várias casas onde fui vivendo. Estive ao lado de família e de amigos quando de mim precisaram. Tive quem me desse colo quando precisei. Viajei, conheci mundo, paisagens e culturas diferentes. Cresci em contacto com o mar, com a montanha e com os animais que recheiam a Terra. Vi o sol e senti o vento. Andei à chuva e olhei para a lua, nas suas diferentes fases.
Aprendi a lidar com a ansiedade que me travava e superei vários medos, enquanto apagava a luz do quarto com medo da escuridão, deixava aos poucos de confirmar o trinco das portas e janelas de toda a casa por medo do ladrão, entrava nos elevadores apesar das náuseas que me davam espaços fechados, viajava de avião com a barriga às voltas com receio do levantar, da turbulência, do aterrar. Enquanto arriscava brincar para o descampado apesar das lagartixas, baratas, abelhas e formigas. Sim, não gosto de formigas. Mais tarde, enquanto descia pistas de ski a cantar "sem medo", me metia num voo sozinha em direção à Ásia, me jogava de uma falésia para um lago desconhecido, fazia parasailing, andava de mota ao escuro a meio da floresta e assistia a tempestades tropicais sem fugir da trovoada e a admirar os efeitos de luz dos relâmpagos no céu escuro. Enquanto velejava em mar aberto ou estive em contacto com elefantes, crocodilos, orangotangos e de cobra enrolada ao pescoço.
Relembro quem fui eu com o teu pai, com quem cresci desde a adolescência numa montanha russa de vivências mais ou menos intensas ao longo dos anos. Vivemos cada um a sua vida e juntos a nossa. Temos amigos de cada um e amizades em comum. Celebrámos vários momentos, brindámos a várias conquistas. Rimos e chorámos. Divertimo-nos muito. Com ele aprendi a amar e a perdoar. Numa dança de silêncios e conversas nos fomos moldando, cedendo e aperfeiçoando. Somos muito diferentes, eu e o teu pai, esperando que seja no equilíbrio que possas aprender o que de melhor tivermos para oferecer. Vais aprender com cada um o que não aprendes com o outro e vais aprender connosco o bom e o menos bom. Vais construir memórias comigo, com ele e connosco enquanto família. Vais ser fruto de várias frentes. E mal posso esperar para acompanhar a evolução do resultado de tudo aquilo que te dermos para a construção do teu eu. É importante que saibas que não somos perfeitos, embora saiba que vais achar que sim até ser tarde de mais para te desiludires connosco, para nos criticares e acabarmos a te dar os traumas que a nós também chegaram dos nossos, e que tentamos a todo o custo não vir a repetir. Vamos sempre falhar, por termos os nossos defeitos e sermos imperfeitos. Individualmente e na nossa relação de casal, vamos discordar e discutir e reaprender a conectar, a limar arestas e a aperfeiçoar o que nos for colocado à prova.
Mas não te faltará amor. Somos peritos em construi-lo e reconquistá-lo, vezes e vezes sem conta. Tu és fruto dele e já tens tanto cá fora à tua espera, não só nosso mas de tantos que nos rodeiam e nos querem bem. Não quero que te falta amor, porque é ele que perdoa. Que apazigua. Que abraça de novo. É o amor que nos une depois da quezilia. Que nos traz de novo a nós, que nos deixa disponível de novo para o outro. Quero que aprendas a amar-te, para teres confiança nos valores e princípios que vais trazer ao teu mundo. Quero que aprendas a amar-nos com todos os nossos prós e contras, para que contes sempre connosco para te amparar as quedas que vais inevitavelmente ter ao longo da tua vida e nunca deixes de querer o colo que nunca mais te vai faltar aqui, connosco.
Não tenho medo da tua chegada. Não fico com medo quando me dizem que vai ser difícil ou que a minha vida vai mudar. A minha vida já foi mudando tantas vezes. Eu já fui mudando tantas vezes. Já fui vencendo obstáculos que um dia para mim me pareciam impossíveis vencer. Não tenho medo de desafios. Que venham eles. Que venha a mudança. Recebo-te de braços abertos, sabendo que vou falhar, que vou deixar-te triste e tu a mim, nalgum ponto da nossa vida. Sabendo que vou também acertar, que vou fazer-te rir e que me vais deixar orgulhosa das tuas pequenas e grandes conquistas. Que vou continuar com receios, sabendo que os consigo ultrapassar e que vou saber confortar-te além dos teus medos. Que há bondade nas pessoas e lugares bonitos neste mundo, para te fazer acreditar na beleza que é estar vivo. Convicta de que conheço bem as emoções que já vivenciei até agora, sei que ainda me falta olhar-te e ter-te como pedaço de mim cá fora - essa emoção que se diz ser única, exclusiva, intensa. Não tenho pressa de a saber ler. Sei que a vou ter de conhecer e aprender a lidar com ela com o tempo, ao longo do tempo, durante uma vida de aprendizagem contigo.
Eu até ti fui muito, tive muito e estou muito grata por tudo o que também os meus pais e restante família que nos acolhe e orienta, me proporcionaram. Fizeram-me chegar aqui, a este momento, em que estou pronta para te receber, para continuar esta missão que é criar e fazer crescer vida. Abraço o meu percurso até agora com muito carinho pelas pessoas que tive a sorte de se cruzarem no meu caminho. Não espero continuar a ser igual, mas conto ser mais uma neste papel de mãe. Não espero que possa continuar a fazer tudo o que fazia, mas conto não anular-me e poder dar-te a conhecer aquilo que sou. Não espero continuar a arriscar da mesma forma, mas conto desafiar-me a mim e a ti para que voemos mais alto e superemos mais medos. Não espero perfeição, mas conto amar-te incondicionalmente. Não espero ter muito tempo livre, mas conto enchê-lo de memórias, tuas e minhas, para que faça sentido viver com o tempo imprevisível que teremos juntos. Não espero felicidade constante, mas conto ser capaz de levar-te até ela quando te sentires desamparado. Não espero estar sempre contigo, mas conto que voltes a mim quando te sentires só. Não espero viver sem culpas das falhas que virão, mas conto estar atenta para que possa melhorar na atuação. Não espero que seja fácil para mim e para o teu pai, mas conto superar as dificuldades com o amor que nos uniu para te trazer a este mundo. Espero vingar no amor e ir superando o desafio. Espero que conquistes a família que quis criar para ti. Espero ser capaz de o fazer com o teu pai e com ele continuar a construir o ninho que será para sempre a tua casa. Nós seremos sempre a tua casa.
Eu até ti fui uma e vou-me repartir. Serei mais uma a juntar-se a mim. A ti. A nós.
Diário de bordo 30.09.2022
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