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Foto do escritorCarolina Germana

Despeço-me de ti, Viana



É novembro e estão dias primaveris em terras do Norte. O sol brilha e o céu nem uma nuvem esboça.


Apercebi-me que a minha estadia por cá está prestes a terminar. Viana acolheu-me nestes primeiros anos de “vida adulta”, com o início de carreira e uma vida a dois. Escolheu-me a serra e mar, não fosse eu ilhéu, e com ela partilhei uma série de descobertas sobre o eu.


Vejo o amanhecer da minha varanda, com os tons de violeta a tocarem o horizonte. Oiço de longe o som das ondas e observo o mar sereno. Com a praia a poucos metros de casa, decido pôr-me a mexer.


Pelo caminho de pedra entre campos de trigo, chego à beira-mar. São oito e meia da manhã e o sol já veio iluminar o passadiço, a areia e o rochedo, surgindo por detrás da montanha. Ao longe, a neblina que se forma entre o ar e as gotas de água em suspensão, torna misteriosa a paisagem.


Já de pés na areia, fico a observar o mar beijar a praia com suavidade e o reflexo das gaivotas nas lagoas que se formam entre as rochas, enquanto sobrevoam a costa.


Sento-me e deixo-me estar, enquanto a mente tenta fugir à calma.


Sabendo que quero muito ir, não deixa de ser difícil deixar. Sendo tentadora a novidade, não deixa de ser assustador o abandono desta rotina conhecida, das amizades construídas e do conforto que é casa, especialmente nos tempos que correm, mas está na hora de aceitar novos desafios e ir em busca de novas conquistas.


Não é fácil para mim andar à deriva sem rumo certo, sem destino rápido e sem as mãos no leme. Gosto de ser eu a orientar o meu caminho, mas este ano já nos veio alertar para a possibilidade do imprevisto e da consequente necessidade de caminhar por terras estranhas, pondo a tremer muito do que tínhamos como certo vir a acontecer. Hoje é certo que vou, mas não sei amanhã para onde, como e quando.


Aos poucos tento acreditar que o destino me irá levar a um lugar que será certamente diferente, mas igualmente desafiador, igualmente mágico e igualmente acolhedor como este sítio que me escolheu para ser lar e refúgio nos últimos três anos. Neste ano atípico que correu como se não houvesse amanhã, em que não foi fácil existir, Viana tornou fácil viver, de mar à janela e pôr do sol na varanda.


O canto das aves junta-se ao som das ondas e o sol aquece a alma, como que num abraço profundo.


Volto a caminhar, paralela ao horizonte, vendo os bandos de aves desenharem quadros no céu.


Enquanto nos tiram a liberdade de estar, é aqui que encontro a liberdade de ser e sentir, caminhando pelos grãos de areia e pedras de todas as cores e feitios, com o cheiro das algas que com as conchas enfeitam o caminho. É aqui que crio memórias que em mim ficarão para a vida, porque só o passado e o presente são certos no futuro.


Num ano que correu, criei em ti um hoje que foi sendo ontem e me permitiu levar-te comigo com a tranquilidade que mereces, Viana. Porque é o ano que me despeço de ti como cidade minha entre moinhos antigos com vista mar, abraçando o vento.

 

Diário de uma pandemia 20.11.2020

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