Acabo de sair do paraíso. O mar foi casa e o sol convidado a tempo inteiro. A lua foi de cheia a quarto minguante. Os abraços, perdoem-me, foram dados.
Estou de volta àquela que é a minha casa emprestada, com alguma angústia de deixar a ilha e de novo em contagem decrescente para o regresso. No entanto, chego de coração cheio e preenchido por estes dias tão recheados.
A Madeira abriu portas ao turismo no início do mês, sem casos locais há mais de 30 dias. A obrigação do teste à chegada ou até 72h antes já evitou entretanto e felizmente, algumas cadeias de transmissão. Apesar disso, as pessoas ainda recebem os de fora a medo. Se por um lado querem o turismo de volta, por outro vêem-nos como ameaça. E este jogo de cintura não é fácil para quem está com uma descontração de quem vive de certa forma, já isolado.
É fácil deixarmo-nos levar pelo que foi toda a nossa vida e pela liberdade que isso significa nos dias de hoje. Um teste negativo, dá-nos mais tranquilidade, sim. Mas vale o que vale. E o “regresso à vida normal”, é ao normal de hoje, mantendo a noção de que a disseminação continua a ser fácil e que os cuidados têm de continuar a fazer parte das nossas novas rotinas.
Preocupa-me de certa forma a despreocupação que se vive na ilha e o olhar de repulsa dirigido, por vezes, a quem vem de fora. Não podemos viver assim. Portugal inteiro vive do turismo. Mas a Madeira, não sobrevive sem ele. Precisamos de quem vem de fora e precisamos de receber os que estão fora e regressam. Temos de estar todos no mesmo barco. Preocupa-me a leveza com que todos vivem e o medo que todos sentem – receita perfeita para fazer explodir a bomba.
É preciso dar lugar à consciência e ao respeito de todos por todos. E é importante que se continue a praticar o bom receber, que nos carateriza. Da mesma forma que foi fácil conter, é fácil pegar fogo. Mas não podemos ficar fechados para sempre. Se tivermos presentes algumas regras e algum conhecimento básico, é mais fácil de nos deixarmos estar com os amigos e família, sem um constante sentimento de culpa. Mas é preciso ter humildade para aprender e mudar hábitos.
Nunca é demais lembrar, nem que seja a nós próprios, que podemos evitar partilhar o copo, que podemos evitar tossir ou espirrar sem proteção, que devemos usar máscara nos espaços fechados, prédios e elevadores e que podemos, acima de tudo, lavar as mãos antes de levá-las à cara. A consciência e cuidado com estas regras básicas, tornam o dia-a-dia menos penoso, depois delas entrarem na nossa rotina. Como tudo, exige prática e exige tempo. Quanto mais cedo começarmos com essa noção, mais cedo teremos intrínsecas essas manobras neste novo normal.
Ninguém quer continuar a ver as grandes cadeias hoteleiras, os pequenos alojamentos locais e pensões de luzes apagadas, os restaurantes já com redução de capacidade, ainda com mesas por sentar e os autocarros de passeios, estacionados. Ninguém quer a consequência de tudo isto – menos postos de trabalho e menos comida na mesa. Temos de gerir bem o peso na balança e o peso na consciência. O sofrimento virá, como sempre e como tudo, nalgum momento do tempo. Não podemos deixar que algo que não podemos controlar, dite as nossas ações e a nossa vida. Mas importa que aquilo que podemos controlar, com a responsabilidade que exige, pessoal e social, nos deixe viver. Nos deixe estar com as pessoas, estabelecer o contacto e as ligações várias que temos com os outros e com os nossos. Importa a resiliência. Gerir a própria desgraça. Evitar que uma desencadeia outra. Pensar, com cuidado e permanecer atentos, sem deixar de viver.
Ninguém disse que era fácil. O uso de máscara não é fácil; ganhar a consciência do ato de levar a mão à cara não é fácil, abandonar o hábito de cumprimentar com dois beijos, não é fácil; cancelar planos esperados há meses, semanas ou alguns dias, não é fácil.
Mas tudo se faz. Confiar na nossa capacidade de adaptação passo a passo, um dia de cada vez, é acreditar que estaremos cada vez mais próximos do fim. E é o que nos vai permitir o começo de novos inícios, hoje e amanhã.
Diário de uma pandemia - 13.07.2020
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