Os dias estão mais curtos e o sol mais cedo se põe. Já não se ouvem cantar os pássaros na rua e o céu mais vezes escuro está. As folhas menos verdes ficam e mais vezes caídas se encontram. Quase 7 meses correram desde o início da montanha russa de emoções que andamos desde então.
No início, formigas confusas e em fuga desordenadas, a atropelarem-se de medo, fugiam de um gigante que entrava a matar. Depois, uma sensação de alguma paz e reencontro consigo mesmas, numa partilha e entreajuda de todo o mundo e uma onda de esperança que pintava arco-íris de todas as cores nos dias de sol que clarearam os meses de primavera. Os dias foram ficando mais longos e o sol mergulhava em fogo no mar. As flores coloriam as ruas e os pássaros embalavam os céus numa melodia de encantar. Todos juntos, esperámos vencer um desconhecido sem igual.
Foi hora de sair das prisões que se tornaram as casas e sentir o vento e a brisa do mar. Começou o verão, com os seus dias longos e quentes. Apesar de planos interrompidos e adiados, aos poucos foi-se esticando a corda, com pezinhos de lã, permitindo que se voltasse a viver. Voltou-se a conviver com amigos e família. Permitiram-se os encontros, os pés na areia e os mergulhos no mar. Foram dados mais abraços e os sorrisos foram ficando mais abertos. As ondas e o calor acariciaram as almas e os dias de pausa permitiram renovar energias e repôr forças que se achavam perdidas.
O verão despediu-se e temo que com ele, a esperança. Os casos aumentam e os dias encurtam, com o vento a soprar mais fresco. O mar mais revolto e os dias mais cinzentos. Quando antes se sonhava que melhores dias viriam, hoje sabe-se que piores dias virão. Hoje é outono e as folhas mudam de cor. Hoje já voltámos todos ao que éramos, já não há palmas nem cantigas nas varandas, já não há tranquilidade. Voltámos a enterrar-nos no trabalho, a tentar recuperar o que atrasou. Voltaram as rotinas das escolas, num ambiente desconhecido. Voltou-se a ter pouco proveito do lazer por falta do tempo que o tempo não repõe. Hoje, como seres humanos que somos, já não nos estranha o respirar por entre tecidos e filtros e a máscara tornou-se um ícone de moda. Já normalizámos o cotovelo e esquecemos o abraço. Já trocámos o toque pelo discurso e o afeto pela razão. Já fomos automatizados em comportamentos e regras , quais robôs, e deixámos de pensar em pensar. Entrámos a pés juntos numa sociedade que não é a nossa, mas na qual aprendemos a sobreviver.
Hoje, mais do que ontem, precisamos mais de nós. Precisamos mais de todos, de coesão e de união. Porque os dias estão mais curtos e mais curtos virão. As folhas começam a cair e as árvores nuas ficarão. O inverno avizinha-se longo e difícil, com menos calor, esperança e amor.
Sei que ontem, quando hoje era amanhã, ficaria tudo bem. Hoje ainda não está tudo bem, mas não nos deixemos cair na tentação de achar que amanhã não ficará.
As folhas caem, mas renascerão.
Diário de uma pandemia
27.09.2020
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