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Foto do escritorCarolina Germana

Amamentar. A nossa história.


Amamentar. A minha história.

Temos todas uma, não é verdade? Que começa com uma crença. Uma ideia daquilo que é amamentar. Dar de mamar a. Criar ao peito. O que é que nos diz a sociedade sobre a amamentação? Como lida o povo que nos rodeia com essa questão? São necessários apoios para conseguir amamentar? Que apoios são esses? E porquê? Não é instintivo? Não deve ser "natural", "fácil"?


Pois bem. Não é.


E a minha história começa com a minha crença: amamentar seria o melhor que podia oferecer ao meu bebé. No entanto, sem ter qualquer noção da dificuldade que seria fazê-lo, a tantos níveis. De que o melhor para o meu bebé iria tantas vezes colidir com a amamentação por si só.


A minha história começa também com algum conhecimento, de formação profissional e interesse particular. De que nos primeiros dias o colostro pode ser pouco, mas é suficiente. Que pode não haver vazamento, mas é suficiente. Que há medidas que facilitam a pega nas primeiras horas de vida. Que pode haver perda de peso do bebé depois de nascer, por variadíssimas razões, sem ser necessário suplementar logo à partida. Por saber que a subida de leite dói e que técnicas fazer para aliviar. Por saber a teoria de uma boa pega e tentar aplicar na prática, sozinha.


Mas a minha história também começa por um total desconhecimento e falta de noção da realidade. Da prática. Do quanto ia (realmente) doer amamentar. Das gretas e fissuras e da pega mordedora que me fazia arrepiar com dor tipo choque da ponta dos pés à ponta dos cabelos (se nervos tivessem), sempre que pegava na mama. Da ansiedade que sentia de cada vez que se aproximava a hora de comer de novo. De não saber que ia vazar leite a toda a hora, pingar sofás, manchar camisolas, inundar lençóis. De não saber que as noites iam ser tão longas que já nem as diferenciava dos dias e que o meu peito seria o único lugar de conforto e descanso do meu bebé. Da sede imensa que sentia, da fome insaciável e dos snacks necessários a meio da noite. De não saber da exigência que é a necessidade da nossa presença constante. De que era possível não conseguir conectar-me ao meu bebé por estar tão focada nos cuidados, na gestão da dor, na gestão da (minha) sobrevivência. Do piloto automático em que se entra para se conseguir existir apenas. De não conseguir aproveitar bem os momentos.


A minha história passa ao fim de um mês por uma melhoria na dor, após procurar ajuda especializada. Mas salta para uma exigência adicional que foi a de espessar o meu leite por uma doença de refluxo gastroesofágico que causava tanto desconforto ao meu bebé e o impedia de dormir descansado. Dar espessante sempre antes de amamentar, de dar maminha com o bebé verticalizado e de aguentar essa posição nos trinta minutos que se seguiam, ao colo e a andar, significando isso (ainda) menos tempo de sono para mim. De um mês sem querer sair à rua, pela logística que implicava fazê-lo.


A minha história passa pelas inúmeras vezes que ouvi, de várias vozes, que devia desistir. Que devia introduzir fórmula. Que devia parar de insistir. Que não devia amamentar em público, que devia ter mais pudor. Pela sugestão de profissionais de saúde na maternidade, a sugerir a suplementação no segundo dia de vida de uma bebé saudável, de termo, com 3630g de peso ao nascer, após 16h de indução de parto e uma cesariana, que tinha perdido 8% do seu peso. Com a dificuldade que era manter-me firme e convicta de que estava a fazer o meu melhor, quando me sentia tão perdida, exausta e triste por não conseguir ter o apoio e ajuda que esperava, quando tudo o que precisava era que me proporcionassem um ambiente menos duro para eu conseguir levar a avante esta minha vontade que era amamentar o meu bebé.


A minha história passa por momentos incontáveis de vontade própria de desistir. Com a pressão externa, com as noites desgastantes e exaustão da privação de sono inerente aos despertares múltiplos, em que usava a maminha a servir de consolo. Com um regresso da dor ao amamentar, que mais tarde vim a perceber ser da introdução de nova tetina em biberão (de água) e de ter ansiado novamente por ajuda especializada. Com a vontade de querer ter alguma liberdade, de não me sentir presa, amarrada àquele que era um ato só meu.


A minha história passa também pela extração de leite. Para poder ir a uma consulta minha, para poder ir a um concerto, a um teatro ou jantar fora. Aprender a fazê-lo, como potenciar resultados e como conseguir em modo "mãos livres", para que não me tirasse (ainda) mais tempo, do pouco tempo que tinha para ser eu apenas. Passa por ter desistido, pelos 7 meses, de o fazer. Por já sentir que era uma prisão, uma angústia, uma ansiedade - e, por isso tudo, (ainda) mais difícil extrair. Passa por ter introduzido o leite adaptado nas papas não lácteas e em SOS para os casos esporádicos (contados por menos de uma mão) de o deixar com alguém que não eu durante a noite. Por ter tirado o peso nos ombros de ter obrigatoriamente de ter um stock de leite congelado, que eu já não conseguia acompanhar.


A minha história passa por saber, do fundo do coração e com toda a convicção, que o meu leite é bom, é suficiente, é nutritivo e que é o que o meu bebé mais precisa em todas as fases da sua vida até hoje. Mesmo com uma maminha que já não vaza, que está menos cheia, mais pequena, menos tensa, mais disforme. Que somos a fábrica mais perfeita que existe, que se adapta aos horários, às vontades, às necessidades do bebé. Que produz sempre que há estímulo, sempre que o bebé precisa, sempre que o bebé quer. Que é imunidade, que é amparo, é consolo, é mimo, é amor.


A minha história passa por ter batido pé (contra mim e contra todos), vezes sem conta, numa altura de fragilidade enorme e de ter confiado nesta jornada. De ter descoberto o prazer de amamentar.


Nove meses depois, é ainda o meu leite que sustenta o meu bebé. É com ele que acorda e com ele que se deita, que se acalma ao despertar ou assustar. Nove meses depois, continuo a amamentar o meu filho em público, com a maior naturalidade que existe, sem qualquer vergonha. Nove meses depois, ainda que receba algum olhar reprovador ou sugestão de interrupção, já não me incomoda. Já não sinto necessidade de me justificar, de explicar, de insistir que me deixem em paz.


Nove meses depois, esta é a nossa história. Que a nós nos diz respeito. E é a história de amor mais bonita que conheço. Que superou dor física e emocional, que ultrapassou pressão psicológica e social. Um amor crescente, que culminou naqueles que são os momentos mais prazerosos e íntimos que temos a dois, em que continuamos a ser só nós ligados neste mundo.


É com esta minha história, que consigo entender quem opta por não amamentar. Quem não consegue começar ou continuar. Que consigo apoiar de forma gentil, sem aumentar a frustração que pode ser sentida por uma mãe que o decide fazer, apesar dos desafios.


É com esta minha história, que sei recomendar, capacitar e procurar o apoio necessário a quem quer amamentar e que mantém vontade de continuar, apesar dos desafios.


É com esta minha história (e formação) que sei debater as razões pelas quais continua a ser necessário defender o aleitamento materno. Mas que também me permitiram perceber que deixar de amamentar pode ser também um ato de amor. Amor próprio. Amor pelo bebé. Amor pela relação entre mãe e filho. Amor pela vida e bem-estar familiar. E que o que mais importa é informar e capacitar famílias. Mãe, pai, cuidadores. Antes, durante e após o parto, nas várias fases de desenvolvimento do bebé.


Amamentar é a nossa história.


De todos. Para todos.

 

Conversas de sesta 05/08/2023


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