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Foto do escritorCarolina Germana

23 de dezembro: cantemos hoje, um Feliz Natal



Encontro-me enfim só após estes primeiros 20 e muitos dias na ilha. Vim para cá iniciar o estágio de Cirurgia Pediátrica, de um mês de duração, no âmbito do meu internato médico, já marcado em fevereiro de 2018. Mal saberia eu que viria em plena pandemia. Até ao momento em que aterrei, no final de novembro, pensei que me iriam impedir de vir, pelo aumento de novos casos a nível nacional e na região do meu hospital de origem. Felizmente, não foi o caso, e pude vir para junto dos meus.


Já estive nos picos da serra e já dei mergulho no mar. Esta minha ilha é um espaço que amo de coração. Sou fã das suas paisagens, da sua temperatura amena, das suas tradições e costumes. Em cada canto sou transportada pelas memórias da minha infância e adolescência, numa viagem de boas recordações.


Dá-me naturalmente conforto cá estar. Mas este tem sido um ano especial, que tem exigido e continuará a exigir muito de todos nós. As últimas semanas têm sido atribuladas e cheias, pelas mais variadas razões, e a verdade é que apesar de este ser um sítio que me dá conforto, não estive propriamente calma e com tempo de qualidade para parar e voltar até mim, a este meu espaço que descobri neste ano louco de 2020.


E hoje já é 23 de dezembro.


Os aqui nascidos, estudantes ou não, foram chegando aos poucos das cidades que os acolheram no continente, no regresso à ilha que os viu crescer, para a época natalícia. A ansiedade dos próprios e das famílias que cá os recebiam, fez-se e tem-se feito sentir a cada virar de esquina. Aqui, todos estão a ser testados à chegada, uma ou duas vezes, permitindo um relaxamento e um nível de convívio um pouco mais livre de culpa. No entanto, os casos de Covid-19 na Madeira, embora ainda escassos, estão pela primeira vez a subir, o que naturalmente assusta quem esteve fechado nesta bolha.


Tenho ouvido todo o tipo de discurso, que não pretendo reproduzir. Vive-se muita incerteza, alguma desorganização e demasiada crítica. Preocupa-me o efeito que isso poderá causar intra e inter famílias e até entre amizades. Preocupa-me a falta de solidariedade e também a falta de compreensão. Não é fácil para quem vem de fora, à procura de algum aconchego, ver que somos sentidos como ameaça, quando a ameaça se sabe ser literalmente global. É difícil continuar a fugir a uma pandemia.


Estamos quase no fim do ano e foram 9 meses muito pesados, com restrições e mudanças de vida muito intensas, especialmente para quem viveu no retângulo. Foram 9 meses de distanciamento, de regras, de mudanças de planos, de reestruturação de vida, de relação e de trabalho, e de um sugar de tudo aquilo que tínhamos como garantido.


Sempre fui apologista de um meio-termo, tendo sempre em especial atenção os mais vulneráveis, não querendo com isto dizer que os restantes estão livres de doença, inclusive de doença grave. Mas precisamos de ser razoáveis. Todos nós, como indivíduos, pensamos estar a tomar a decisão mais acertada e a que nos faz mais sentido neste contexto. No entanto, duvido que alguém me consiga dizer com certeza qual será a opção mais correta. Juntar todos? Isolar alguns?


A verdade é que não me parece haver nenhuma receita perfeita para viver o natal de 2020. Aqui, em Lisboa, no Porto, em Madrid, Roma, Brasil ou China. Não há quem não assuma algum risco para estar com os seus filhos, pais ou até avós. Não há quem não assuma algum risco para se encontrar com amigos de longa data e fazer renascer um pouco do espírito natalício com licor e broas de mel. Mas a verdade é que também não há família que não se esteja a tentar reorganizar e readaptar para que esse convívio seja feito da melhor forma que considera possível neste que é o momento mais esperado do ano para reunir miúdos e graúdos, num ano que foi particularmente denso.


Hoje é dia 23 de dezembro.


Seria a noite mais esperada da época natalícia madeirense. A noite do mercado. Hoje era noite de ir jantar com as amigas de sempre, beber uma ginja em copo de chocolate nas barraquinhas da Avenida Arriaga e de seguida uma poncha regional. Era noite de percorrer as ruas do centro da cidade apinhadas de gente, com cheiro a carne de vinho e alho pelo ar. Era noite de se enfiar no mercado que nem sardinhas em lata, a cantar as músicas natalícias numa harmonia sem igual, entre chapéus de pai natal, bandeletes de rena e crianças às cavalitas. Era noite de reencontrar caras familiares, abraçar amigos que só se vê uma vez ao ano e em 5 minutos pôr-nos a par das vidas uns dos outros, enquanto brindávamos com uma cerveja Coral entre gargalhadas. Era noite para acabar de manhã. Não vai ser.


Estamos a 23 de dezembro e é quase Natal.


Não é possível juntar toda a gente, mas é impossível ficarmos sós. Não podemos esquecer os nossos mais queridos, havendo a possibilidade de no próximo natal poderem já não estar junto a nós. É difícil ir contra a necessidade básica de estar junto, depois de tanto tempo longe. Todos nós fomos vivenciando e experienciando esta pandemia de forma individual e coletiva. Todos teremos a nossa opinião formada, após a informação (e desinformação) que circulou e circula a toda a hora. Mas continuam a não haver certezas.

Não estamos sozinhos. Não sou só eu. Não é só a minha família. São todas as outras, de todas as regiões, países e continentes deste mundo. É toda a humanidade que atravessa hoje mais um período de dúvidas, angústias e tomada de grandes decisões. Não consigo julgar quem se junta nem consigo julgar quem se isola. Parece-me tão válido querer estar distante como querer um pouco mais de calor. Porque nada sei. Julgo que cada um terá de optar pelo que fizer mais sentido para si e para os seus, pelo que mais se adequa à sua família e relações, pelo seu bem-estar emocional e pelas suas fraquezas físicas. Vamos acabar a ir de encontro a quem nos é essencial, porque ninguém sabe o dia de amanhã.


É quase Natal. E com os cuidados que nos foram ensinando e impingindo como rotina diária nos últimos 9 meses de pandemia, vamos tentar ultrapassar mais este grande desafio da nossa história.


Resta-me desejar que se unam no encontro e se respeitem no desencontro, com mais amor que crítica, mais carinho que ofensa, mais esperança que distância.


Cantemos hoje, com alegria, um Feliz Natal.

 

Diário de uma pandemia 23.12.2020

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